domingo, 18 de abril de 2010

Música - Radiohead - Kid A

OBS: esperam que leiam tudo, deu muito trabalho pra fazer ><

Demorou para eu escrever sobre esse disco. A ironia é que já o escutei (todo de uma vez só) pelo menos umas vinte vezes, literalmente. Teriam sido mais, se não fosse tão difícil deitar para comtemplar uma obra prima dessas sem interrupções. Mas tudo bem, lá vamos nós.
Antes de qualquer coisa, saiba que Kid A não é um disco fácil. Radiohead não é uma banda fácil. Mas imploro que lhes deem uma chance, porque o Radiohead é uma banda para quem gosta de inovação constante, para quem gosta de algo diferente a cada audição, para quem ama escutar uma música e se imaginar em algum lugar, por pior que seja tal lugar.

Voltando um álbum, temos OK Computer. Você já deve ter escutado várias músicas desse álbum sem perceber, pois deve ser o favorito do pessoal que faz a trilha dos jornais da Globo. Até no BBB já tocou mais de uma vez. Esse álbum foi o terceiro da banda, o que lhes deu fama global como a maior banda de rock da atualidade, e, consequentemente, o que lhes fez olhar para a fama e perceber o quanto a odiavam. Thom Yorke, o vocalista, disse uma vez que o final do ano de 1998 foi um dos pontos mais baixos de sua vida. A extensa turnê de divulgação, com quase 300 shows no total, acabou por cansar física e emocionalmente toda a banda.
Pausa.
Nessa turnê, tudo foi documentado pela diretor de um de seus videoclipes (No Surprises). Vemos o baixista desabando de choro durante uma entrevista, mas ainda mais emblemático é a cena que Thom Yorke ensaia uma das músicas de Kid A no violão, num palco, enquanto pessoas passam: "Não estou aqui e isso não está acontecendo", ele canta. Dá pra ter uma ideia.

Foram três anos que separaram OK Computer de Kid A. Enquanto o primeiro tinha guitarras venenosas, guitarras lindas, guitarras furiosas, refrões épicos e versos poéticos, neste segundo ouvimos um violão só na quarta música, aquela que Thom ensaiou, mencionada acima. Tudo é muito mais focado na poesia. Para seu quarto álbum, o Radiohead resolveu se descontruir, simplesmente jogar no lixo sua imagem de banda de rock, as guitarras de antes e os vocais de antes, tudo no lixo, pois nada prestava.
Pausa.
Para escutar Kid A, não há como simplesmente sentar e escutar. Para apreciá-lo em toda sua poesia e descobrir todas suas texturas, talvez você precise de uma vida inteira. Não estou brincando. Eu achava que conhecia tal música, mas numa noite de relaxamento, curtindo a última música, com um lindo piano distorcido (?) no começo, juntei as sobrancelhas ao escutar um barulho diferente. Prestei mais atenção. Um tambor - um tambor militar, em estilo de marcha, ali no fundo. Voltei umas músicas, prestando atenção dobrada em cada uma. É literalmente impossível descobrir todos os barulhinhos ali em menos de dois meses.
E essa é apenas uma das razões que me faz gostar tanto do disco.
Tem a questão da arte da capa (que ilustra todo esse post - e o logo do blog). Se procurar no site da banda ou outros site de fãs, encontrará uma infinidade de desenhos, paisagens distorcidas, frias, vulcões, montanhas (como as da capa), tudo sempre remetendo ao universo onde o disco toca. Mais um triunfo de Kid A - a absurda possibilidade de criar mundos com música.
Mas vamos ao faixa-a-faixa.

1 - Everything in it's right place - O piano joga o riff sombrio logo de cara, enquanto vozes vem sussurrando o nome da música ("tudo está em seu devido lugar") em ondas, ora no ouvido direito, ora no esquerdo. Repete, repete, repete mais ainda. Ironia pesada. Escutando aquilo, você sabe que algo está muito errado. Ainda assim, a frase continua repetindo. Quando finalmente muda, choque: "ontem acordei chupando um limão". Brincadeira com o ditado popular, "se a vida te dá limões, faça limonada"? Talvez. Logo, ouvimos outra frase diferente: "tem duas cores na minha cabeça, o que foi aquilo que você tentou dizer". Só então você percebe como as vozes, o piano e os efeitos parecem crescer sem que você se desse conta. Mas tudo fica mais tranquilo de novo, só no piano, uma batida grave baixinha e frases ininteligíveis soando em algum lugar. Fade out.

2 - Kid A - a faixa título é menos estranha que a primeira. Começa com um piano infantil cercado de barulhinhos metálicos, até que surge a batida eletrônica. Mas tudo mantendo um tom leve, como se fosse de fato uma música para crianças. A voz de Thom está distorcida, irreconhecível, enquanto canta poucas frases:
"Eu escorreguei em uma mentira inocente Nós temos cabeças em varetas E você tem ventríloquos Encarando as sombras na beira da minha cama Ratos e crianças me seguem para fora da cidade Ratos e crianças me seguem para longe de suas casas Vamos crianças".
De alguma forma, tudo faz sentido.

3 - The National Anthem - Riff de baixo. Finalmente uma música de verdade? Nem tanto. Entra a bateria convencional, efeitos agudos e graves se encontrando deixam claro que algo horrível vai acontecer. O riff continua se repetindo ao infinito. Escapam sons de sopro como se estivessem presos a muito tempo. "Todos, todos envolta de mim, todos estão muito pertos". Canta claustrofobicamente. "Todos tão perto, todos tem o medo". Entram os sopros. Saxofones, e todos os outros tipos, sendo tocados ao mesmo tempo, propositalmente feios. Ninguém mas a própria banda é capaz de contar quantas pessoas tocam juntas nessa parte. A coisa cresce, cada vez mais feia, cada vez mais tensa. O riff continua. O clima é de loucura, confusão, remetendo à claustrofobia antes mencionada. Acaba, e nos cinco segundos finais de música, ecos de um hino nacional, o que remete ao nome da canção.

4 - How to disappear completely - Uma das canções mais lindas de todos os tempos. Ponto. Thom Yorke conseguiu transpor toda a tristeza do mundo em seis cordas, cantando uma das letras mais bonitas de todos os tempos. Ainda hoje me faz querer desaparecer também, e é o tema de meus eventuais momentos de tristeza e solidão. "Em alguns momentos, terei desaparecido. O momento já passou, é, já passou. Não estou aqui e isso não está acontecendo." Lágrimas.

5 - Treefingers - Calmaria nessa faixa instrumental. Sons cristalinos, continuos e tranquilos levam a canção, que não tem percussão ou qualquer tipo de agressão. Apenas ecos, texturas, rementendo a algum lugar muito frio e distante.

6 - Optimistic - Guitarras de verdade, finalmente. Não que estivessem fazendo falta, mas ainda assim, é uma guitarra venenosa, levada por uma bateria louquinha, quase engraçada. No fundo, escutamos sempre algo diferente - violões? O clima é feliz, talvez a única música do disco que tocaria tranquilamente numa rádio. "Você pode tentar o melhor que puder, o melhor que puder é o suficiente". O vocal é espetacular. Nos últimos segundos, após o final da música em si, um andamento diferente e mais agitadinho, bobinho, finaliza a grande faixa, e emenda em...

7 - In Limbo - Começa sem avisar, densa e pesada, não aos ouvidos, mas emocionalmente falando. O riff inicial parece ter sido gravado dentro de uma caverna. Thom canta em murmúrios ao começo "tenho uma mensagem que não consigo ler". No pseudo refrão, "Você está vivendo num mundo de fantasia." A canção continua "estou perdido no mar, não se preocupe comigo, perdi meu caminho." Voltamos ao mundo de fantasia. A última palavra se distorce com outros sons explosivos, como sons de bombas sendo tocados de trás para frente ou do avesso(?).

8 - Idioteque - Batida de discoteca. O sintetizador lança três notas frias. Scratches e tambores surgem quase escondidos. A letra fala sobre guerra: "quem está na trincheira, mulheres e crianças primeiro, vou rir até minha cabeça explodir, eu já vi demais você não viu o suficiente". O refrão é pesado: "aqui me é permitido tudo o tempo todo." Canta com raiva pela primeira vez em meia hora, continua falando sobre fogueiras e eras do gelo, quando desmente sua constatação da quarta música: "isso está realmente acontecendo". Para muitos, a música da década.

9 - Morning Bell - Bateria marcante. Piano sombrio e quieto, riff de baixo inteligente. A letra mais difícil do álbum. "Você pode ficar com os móveis, um galo na cabeça, descendo pela chaminé, me solte, me solte, por favor." Continua falando sobre separações de forma misteriosa: "onde você estacionou o carro, roupas estão por todos os lugares com os móveis, e posso muito bem, preguiçoso treinamento de incêndio, girando, girando, girando, girando...". Depois do curto solo de guitarra, a frase mais sombria do disco: "corte as crianças no meio".

10 - A música mais linda de todos os tempos. Não foi uma pergunta. E tem a letra mais direta da carreira de Thom. Análise profunda, por favor:

Vinho tinto e pílulas para dormir Me ajudam a voltar pros seus braços Sexo barato e filmes tristes Me ajudam a voltar pra onde eu pertenço Eu acho que você é louca, talvez Eu acho que você é louca, talvez
Aqui sai o piano distorcido e entram as arpas, arranjos de cordas angelicais.
Pare de mandar cartas Cartas sempre acabam queimadas

Corais de anjos ao fundo.
Não é como nos filmes Elas nos alimentam com mentiras inocentes Eu acho que você é louca, talvez Eu acho que você é louca, talvez
Volta o piano, e as cordas crescem.
Eu verei você na próxima vida...

Cordas vão desaparecendo, se desconstruindo até sumir.
Afinal, sobre o que é Kid A? É apenas uma banda encontrando redenção, um complicado conto sobre suicídio, um monstro lírico, o melhor disco já feito, o pior disco já feito? A análise é dura. Até mesmo fãs largaram de vez na primeira escutada.
Mas para mim, é uma obra perfeita. Densa ao extremo, mudou toda minha percepção do que tinha por música, me fez querer escutar outras coisas que nunca havia escutado antes. Mais que isso, prova o discurso do diretor David Lynch, de que a criatividade é de fato menosprezada e diminuída quando se transforma a música em um produto, esquecendo que ela é arte. Pois bem, Kid A é arte. É totalmente, puramente arte. E agradeço ao Radiohead por ter ensinado a lição ao mundo não só da música, mas de todas as artes.
Tenha paciência com o álbum. Talvez largue de mão, mas talvez, descubra as dez músicas que ouvirá por toda sua vida.
Nota: 10.000/10

A primeira música:


Aquela que uma das mais lindas de todos os tempos:


A última. Esse clipe foi feito oficialmente pela banda com "blips" promocionais, feitos para divulgar o disco, mas que nunca foram usados de verdade. Acabaram perdidos na internet, virando objeto de coleção para fãs mais encarnados (leia-se, eu). No youtube tem alguns. Anyway:

4 comentários:

  1. Velho, parabéns pelo review. Nestes quase 10 anos que eu aprecio esse álbum, o seu review foi um dos melhores que eu li a respeito. Parabéns mesmo.

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  2. Cara, eu não costumo ler postagens assim...ainda não terminei, mas queria dizer que enquanto leio vou escutando as músicas!nunca gostei muito da música, mas era falta de aprofundamento dos significados. só escutava uma ou outra quando estava a fim.
    Quando eu terminar digo o que senti com cada uma das músicas.

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  3. Nossa! Eu acredito que muita coisa eu vou demorar para entender, já outras chegaram tão cristalinas como água. Eu não "conhecia" a banda e vou dar mais crédito agora. os pianos me conquistaram e isso não posso mudar! bjs

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  4. O melhor texto que já li sobre esse álbum, parabéns.

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