quarta-feira, 31 de março de 2010

Para quê confundir o que é fácil?


I

A chuva cai na grama, nas criaturinas que ali habitam. Gotas leves e aleatórias tocam as folhas verdes, fazendo-as dançar no vasto campo, que vai até a linha do horizonte.
Imagina isso, enquanto escreve, pensando em como quer um abraço. Não gosta de precisar pedir, pois ama a surpresa, a sensação do corpo esquentar de vergonha e felicidade.

A chuva cai, molhando seu corpo e sua alma. É gostoso. O espaço em branco, ou em preto, em seu peito, é o único lugar que a água não chega. Desvia. Nem ele próprio sabe como entrar ali.
Escreve mais um pouco, incerto de suas palavras. Imagina-se caindo e gritando, ainda no labirinto que sempre começa na chuva e termina no escuro.

A chuva cai, inundando suas ideias. Seus amores, seus trejeitos de personalidade, flutuando num rio calmo. Bóia junto, entendendo quase tudo. Quase tudo. Apenas uma vez, pensa novamente em seu coração.

Apenas uma.

A chuva cai e não faz diferença.

II

Vê as coisas de trás para frente. Os acontecimentos de sua vida voltando rapidamente, voltando pela faculdade, voltando pelo ano de folga, voltando pelo ensino médio, voltando para o ensino fundamental, parando no maternal.

Vê como era bobo. Rindo de jogar areia para cima. Uma menina está junto com ele, rindo tanto quanto. Lembra dela. Os anos avançam rápido agora, parando por segundos em momentos específicos, antes de continuar voando.

Corre, no ensino fundamental, sétima série, com seu primeiro beijo. Percebe o rosto escondido da mesma garota de antes, um pouco longe dele, no pátio da escola, obervando a cena. Ciúmes. Corre, ela é sua melhor amiga, ele conta tudo sobre a garota que beijou. Ciúmes. Corre, faculdade, os dois são adultos, amigos, e ele não sabe que ela nunca beijou.

Nunca beijou.

Está em seu quarto, onde havia começado a sonhar. Não há chuva, nem labirintos, nem confusões, nem um espaço em seu peito. Em seu peito, está seu coração.

- E agora - ele diz -, quem me guiará é você.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Post sobre sentimentos

Faz tempo que não posto algo simplesmente dizendo como estou...

Assim como 33675486597 de adolescentes no mundo, continuo pensando no amor. Desejando poder encontrar a pessoa que quero abraçar e proteger para sempre, etc. O meu problema é já ter encontrado tal pessoa, ou melhor, talvez encontrado não seja a palavra certa.

Ok, é sim.

Eu acredito em magia. Afinal, o que são sentimentos? O que me leva a amar tanto uma pessoa? Definitivamente não é o fato de ela gostar das mesmas bandas que eu. Também não é fato de ser linda, nem por ser engraçada, inteligente, gostar de escrever, ler e escutar música no volume máximo. Por quê então?

Não que eu esteja reclamando.

É difícil lutar contra a saudade, os céus estrelados, os textos perdidos na minha pasta de músicas, e tudo mais que me lembra dela. Mas o fato é que não quero esquecer, quero lutar, só preciso encontrar uma forma de me manter forte. Um abraço? (risos)

Tem um jogo de Play 2, chamado Shadow Of The Colossus. É o melhor jogo que já joguei, incluindo os de outros consoles. Nele, você controla um jovem, que já no início, traz o corpo inanimado de sua amada a um templo. Uma voz lhe guia, como uma entidade - ele precisa destruir 16 gigantes que habitam aquelas terras, para então rever seu amor.
Naquelas terras, vemos raramente uma águia, ou um lagarto aqui e ali. Mas você fica sozinho e solitário, contra todos os 16 monstros absurdamente grandes. Seu único companheiro é o cavalo que ajuda a percorrer os campos imensos.

Deve ser uma boa metáfora.
É a minha luta.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Fantasmas do Passado - Parte Final


Matt optou por pular todas as partes intermediárias.
Imaginou tudo como uma cena de filme em sua cabeça, uma cena bonita, com uma música que começava baixinha e ia envolvendo aos poucos. Poderia ser Starlight, da Muse. Estava em silêncio, no carro, indo ao mercado comprar besteiras para comer na caminho. Resolve ligar o som, e a música começa, baixinha, dentro do carro. Posiciona o veículo em algum lugar perto da porta do mercado e entra, enquanto a música continua no fundo. Corta. Ele está em casa fazendo as malas, a música aumenta. Corta. Ele está comprando a passagem de ônibus enquanto o vocalista declara "eu nunca vou deixar você ir, se prometer que nunca vai sumir".
Dentro do ônibus, balançando com os buracos na estrada ou com curvas muito bruscas, apenas olha para fora, para o mundo. O vocalista grita com toda sua paixão as frases "Nossas esperanças e expectativas, buracos negros e revelações". Divaga sobre esperanças e buracos negros, tentando encontrar uma ligação entre os dois. Talvez haja uma, mas não consegue explicar.
A vida é feita de momentos, pensa. A maioria dos dias do ano são esquecíveis. A maioria.
Mas naquele momento, em pé, era difícil pensar em pequenos momentos. Era difícil pensar. O diretor do filme teria feito uma saída inteligente - mostrava tudo aquilo, Matt em pé na frente de uma porta, para depois revelar que estava sem as malas. Na verdade, já tinha descarregado tudo no hotel mais cedo, até já havia ligado para Daniela avisando que estava na cidade. A única coisa em sua mão era o caderno com suas confissões adolescentes.
Agora, como o espectador, estava surpreso de estar ali naquela tarde relativamente normal.
Levanta a mão lentamente e bate três vezes na porta.
A casa era bonita, branca, mas de madeira, o que era estranho na vizinhança cheia de casas que pareciam maiores, e eram de concreto. De qualquer forma, era bonita. Bem o tipo de residência que se veria num livro, daquelas tranquilas, onde nada de ruim acontece. Ironia.
Escutou passos que pararam bem atrás da porta. A maçaneta gira, a porta abre. Por meio segundo, acredita que não deveria estar ali. Mas só por meio segundo.
- Bom dia. - diz sorrindo simpaticamente.
- Matt?
Seu sorriso é absurdamente parecido com o de anos atrás.
- É você mesmo? - ela insiste.
Antes que pudesse responder, ela se aproximou e o abraçou comportadamente, mas com força.
- Seria engraçado se eu não fosse o Matt, e você estivesse abraçando um completo estranho.
- Seria. - ela riu, distanciando-se. - Às vezes é bom arriscar.
- Às vezes. - concordou, enquanto ela retomava uma distância segura. - Mas como vão as coisas por aqui?
- Ótimas. - apenas Daniela percebeu o duplo sentido. - E hoje estou com a tarde livre, ainda bem. Essa vida de professora é corrida.
- Ao contrário da vida de escritor então. Ou pelo menos, da minha vida de escritor.
Sorriram juntos.
- Tudo bem, vai me contar tudo sobre isso quando sairmos. - ela disse.
- Agora?
- Bom, a mamãe está aqui também, quer dar "oi" pra ela antes?
Matt fez uma careta.
- Querer... - repetiu, brincalhão.
Daniela riu.
- Vem sim. - riu, convidando-o a entrar.
Olhou para o sorriso dela. Mal tinha conseguido focar em seu rosto ainda. Olhos castanhos, cabelo caindo gentilmente pelos ombros, pele morena e lábios sensuais. O filme podia acabar ali, com ele entrando na casa, a porta fechando atrás da câmera, deixando o público sem saber o que aconteceu.
Os créditos sobem, a canção cresce, e todos se perguntam se eles se beijaram assim que a porta fechou, ou se primeiro fizeram todas as formalidades, para depois sair como num segundo primeiro encontro... de qualquer forma, o romantismo na veia do espectador traria o final perfeito, à seu gosto.

Alguns ficam até o final da sessão, para escutar a música que segue as letrinhas até a última nota. Só então o filme acaba, mas o romance parece continuar lá dentro, como se a história continuasse em algum lugar.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Fantasmas do Passado - Parte 5


Estava tentando tirar uma música da cabeça. Mesmo depois de tanto tempo com as mesmas bandas, nunca imaginou que The Cure seria sua banda preferida.
A música falava de olhar para fotos, sentir saudade daquele momento em que foram batidas, um momento que acaba no exato instante do flash. Tudo que cerca aquele milésimo estático impresso num papel pode ser muito profundo para alguém, a ponto dessa pessoa se perder em tanta nostalgia.
Para Daniela, era uma música perfeita.
Já era relativamente tarde em sua casa, sua mãe já estava dormindo, e ela já deveria estar também, mas sentia uma necessidade estranha de se manter acordada, para se manter pensando.
Começou a lembrar de uma reportagem que viu uma vez, sobre índios que para provar sua coragem precisavam escalar árvores e tirar pedaços de tocas de vespas com socos, entre outras provas absurdas. Se provasse sua valentia, ganhava o troféu, que consistia em ter uma pele grossa semelhante a dos crocodilos - o que era outra prova, já que para conseguir tal efeito, toda a pele de suas costas era cortado com uma gilete. Quando as feridas cicatrizazem, produziriam o efeito grosso das peles de um réptil.
Mas logo, lembrou de Matt.
Balançou a cabeça, lembrando de outra coisa que viu na TV, sobre uma de suas bandas preferidas, Coldplay. Era uma entrevista com o vocalista, que disse ter perdido a virgindade com 22 anos de idade. Ele falava de um jeito engraçado, a forma como contava as coisas, às vezes, parecia não estar falando de sua própria vida. Claro que estava, mas teve essa sensação ao assistí-lo divagar sobre sua adolescência conturbada.
E lembrou de Matt.
Maldita música que continua num loop infinito dentro de sua cabeça. Ao mesmo tempo que queria fugir do assunto, tinha prazer em se deixar levar por ele. Poderia caminhar até o trabalho e voltar, sequer percebendo o tamanho da viagem, enquanto sua mente se ocupava com outras coisas, deixando os pés guiarem-se automaticamente.
Queria ver filmes apenas sobre um assunto, ler um livro que falasse sempre de mesma coisa, cantar a mesma música para sempre.
Para sempre.
É uma expressão forte. Forte, impossível, boba e equivocada, mas essencialmente romântica. Balançou a cabeça de novo. Era bom ser romântica como antigamente, ainda que fosse contraditório com tudo que queria pensar. Quando tinha seus 16 anos, gostava de cair de cabeça. Sua cabeça era tão focada, tinha sempre tanta certeza do que queria, não duvidava de nada, sonhava com tudo. Onde foram parar essas ideias?, perguntava-se. Mas eram indagações inúteis, pois não levam a lugar algum.

Preparou algo para beliscar enquanto tentava assistir TV, mas o sono começou a fazê-la fechar os olhos sem perceber. Resolveu deitar, finalmente.
Era diferente estar assim com 27 anos, mas ainda não podia dizer se era melhor ou pior. Lembrou de como sua professora de artes costumava chamar um desenho feio de "diferente". Suspirou.
Estava lembrando de muitas coisas.
Mas fechou os olhos para aquele dia, ao mesmo tempo, desistindo de lutar, como geralmente fazia no final das contas. E no final das contas, não havia nada no mundo que a fizesse esquecer do quanto estava apaixonada.

terça-feira, 23 de março de 2010

Fantasmas do Passado - Parte 4


Matt saiu de seu apartamento, trancou a porta e caminhou até o elevador. A vontade de tomar uma lata de cerveja nem era grande, mas achou que sair por alguns minutos desse uma arejada na cabeça. Desceu observando seu rosto no espelho do elevador, pensando em fazer a barba quando voltasse.
Sem pressa, foi até um pequeno restaurante na esquina de sua quadra. Era final de tarde, um vento fresco um pouco forte demais incomodava as pessoas que estavam comendo nas mesas da rua e garotas de saia em geral. Entrou e saiu mais rápido que pensava, com uma latinha na mão. Que imagem deprimente, pensou, mas estava muito distante para se importar.

Em seu escritório, com a lata quase vazia num lado da mesa, olhava para a tela em branco do notebook. Escrever sobre sua imagem decadente? Não, clichê. Falar de como os amores antigos sempre voltam? Piegas. Dissertar sobre as coisas pequenas da vida? Piegas demais.
Coçou a bochecha, escutando aquele barulhinho arranhado da barba. Sem pensar muito, resolveu tomar um banho, barbear-se, ficar de cueca e voltar ali, talvez com um surto de inspiração.

Abriu a porta, saindo do banheiro seguido de uma nuvem de vapor. Um banho quente sempre lhe fazia bem. Na verdade, foi uma ducha mais relaxante que o normal, ignorando o pequeno corte no pescoço, que conseguiu ao passar a gilete rápido demais, já no primeiro movimento. Vestiu apenas uma calça. Passou pela porta do escritório, estudando de longe o arquivo sem nada escrito. Ainda não era o suficiente.

Encostado na bancada da cozinha, tentando fazer uma garrafa coca-cola aparecer em sua geladeira com a força do pensamento, uma fagulha de inspiração lhe atingiu. E não tinha nada a ver com refrigerante.

Sentou e escreveu.
Sozinho, sem camiseta, de calça jeans, num quarto escurinho quase sem móveis que chamava de escritório, deixava-se levar pela emoção do empolgante barulhinho das teclas sendo apertadas furiosamente.

**

Quanto à viagem até Dani, decidiu ir de ônibus.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Fantasmas do Passado - Parte 3


Daniela solta o telefone no gancho, deixando-o escorregar entre os dedos até cair. Morde o lábio, mania que desenvolveu ao passar dos anos.
Sempre antes de desmaiar, sente uma tontura estranha, como se sua atenção fosse desviada, em seguida, é como cair na cama com muito sono. Leva a mão à cabeça, massageando as têmporas e soltando uma risadinha nervosa.
- Mãe? - chama.
- O quê? - ela responde da cozinha.
- Preciso falar com você. - suspira.
- Sobre? - pergunta já sabendo a resposta. Aparece na porta em seguida, caminhando até a sala onde terão a tal conversa. É uma mulher na casa dos cinquenta, mas que está longe de se aquietar. Sua postura ereta não deixa dúvidas de que poderia discutir com um valentão com o dobro de sua altura e ainda sair vitoriosa.
Daniela entrou na sala segundos depois, massageando a cabeça.
- Sinceramente, achei que isso ia acontecer pelo menos uma década mais cedo. - disse para a filha enquanto sentavam no mesmo sofá, uma ao lado da outra.
- Isso é... confuso. - murmurou devagar.
- No que está pensando? - perguntou-a, após uma breve pausa.
- O garoto que eu jurava amar me ligou depois de dez anos. - fechou os olhos, rindo de leve. - Estou pensando em muitas coisas. Aquele negócio de esquecê-lo para não sofrer me parece burrice agora, apesar de tudo. Mãe, eu eu mal lembrava dele. Venho entrando e saindo de relacionamentos que duram cerca de cinco segundos cada... as alegrias da minha vida incluem ser professora, ter amigas e amigos maravilhosos, mas uma hora ou outra, estou no quarto pensando nas coisas que não aconteceram. Há alguns anos, doía, agora são apenas lembranças fracas o suficiente para me deixar na dúvida se um dia realmente existiram. Sou adulta, não devia estar pensando nisso, não devia ter que ficar na dúvida, certo?
- Errado.
- Errado?
- Sim. A vida não tem uma fórmula para seguir, que no final tudo dá certo. Quando se é adolescente, é muito fácil sonhar com as coisas erradas, não levar a vida tão a sério, por isso pedi para que fosse mais cautelosa.
- Acho que levei isso ao extremo. - quase sussurrou.
Sua mãe pensou por um momento.
- Talvez tenha sido melhor. - disse por fim.
- Melhor? Agora Matt entrou na minha vida fazendo confusão de novo, e nem sei se ele é bonito ainda. - brincou no meio do desespero. - Não consigo deixar de me arrepender de ter feito aquela força toda pra esquecê-lo, se está tudo de volta agora, exatamente como antes.
Daniela abaixou a cabeça mais uma vez, e sua mãe, tranquila, queria sorrir, mas ao mesmo tempo, não queria dar tanta confiança à ela.
- Vamos direto ao assunto. - disse inclinando-se para frente. - Você o quer de volta?
- Eu não sei. Eu acho. Agora ainda estou agitada, sabe? - diz indicando sua própria cabeça. - Mas não consigo deixar de dar graças que estou solteira. - brincou.
- Na verdade, por uma vez na minha vida,talvez eu possa ver algo como nos filmes. - falou com os olhos distantes. - Se isso durou tanto tempo, pode ser verdadeiro mesmo. - viu que estava tão empolgada com isso quanto a filha deveria estar.
- É. - Daniela não conteve o sorriso.
- Filha, você é adulta. Nesse exato momento, não tem que me perguntar coisa nenhuma. Meu único conselho é não ir com tanta sede ao pote, as coisas podem ter mudado para ele.
Daniela apoiou o queixo nas mãos, pensativa.
- Espero que não.

sábado, 20 de março de 2010

Fantasmas do Passado - Parte 2

- Oi, Dani, sou eu.
A frase flutua no silêncio, até atingir o outro lado da linha por completo. Pensou que seria um momento até triste, mas parecia agora tão lindo quanto poético. Matt tem certeza que ela também sabe quem está falando.
- "Eu" quem? - ela pergunta.
- Matt. - murmura um pouco decepcionado.
Então ele escuta uma arfada, chiados e um baque, antes da linha cair. Era realmente difícil de não sorrir, por qualquer motivo que fosse, mas ali, o reencontro que havia imaginado já era uma cena distante.
Acomodou o telefone no gancho, pensando por alguns segundos.
- Quem sou eu pra desistir agora? - falou para si mesmo, apertando o botão de rediscagem.
Chamou uma vez.
- Quem fala? - uma outra voz desconhecida atendeu furiosa.
- O quê? - Matt não entendeu. - De onde é?
- Da casa da Daniela, foi você que ligou para cá agora?
- Foi.
- O que você disse? - exigia.
- Nada, eu só falei que meu nome era Matt.
Três segundos de silêncio.
- Matt? - a voz estava carinhosa agora.
- Sim, quem está falando?
- É a mãe dela.
Definitivamente esse não era o reencontro que Matt imaginara. Sempre teve uma aversão a pais de garotas que já namorou, quase uma fobia. O que era estranho considerando que tinha 27 anos.
- O que aconteceu? - perguntou Matt.
- Ela desmaiou.
- Oh. - foi o melhor que teve a dizer.
Por um momento, perguntou-se se aquilo era bom.
- Coitadinha, quase bateu a cabeça na mesa. - murmurou a mãe dela, meio que para si mesma.
- Você parece tranquila.
- Digamos que não é tão incomum isso acontecer.
Matt sorriu. Saber disso, imaginá-la desmaiando por uma bobiça era cômico - de alguma forma distorcida.
- Ei, então, pode dizer para ela me ligar depois? - disse. - Eu tenho que falar com ela sobre algumas coisas, ah, algumas coisas dela que encontrei na minha casa antiga.
- Aquela casa ainda existe?
- Sim, como a deixamos.
Ela suspirou.
- Muito bem. Assim que ela acordar, eu digo que você ligou.
- Muito obrigada.
- Até mais, Matt.
- Até.
Chiado. Ficou imaginando se a mãe dela tinha algum conhecimento do que ele queria falar sobre. Talvez já tenha até perguntado, mas não lembra se Daniela contava essas coisas para sua mãe. Em suas lembranças, ela sempre foi tão aberta, tão verdadeira... não conseguia pensar em uma mãe tão ignorante para não perceber o estado da filha, qualquer que fosse.
Qualquer que fosse.
Evitava ao máximo pensar em respostas para a perda de contato. Tinha medo de saber. Se foi com o propósito de sofrer menos, entendível, mas por que não avisou? Se queria terminar, por que fazer do jeito mais difícil?
Suspirou.
Não era hora de pensar nessas coisas. Esperava que logo, o telefone tocasse e teria todas as respostas que quissese, por bem ou por mal. Mas naquele exato momento, sofria de um mal irrepreensível: fome.
Estava no seu apartamento, talvez seu lugar preferido no mundo. Quando o comprou, foi como comprar um tênis que encaixasse perfeitamente no pé, daqueles que não dá vontade de pisar no chão pra não estragar. Era pequeno, tinha uma sala de estar confortável, junto com a cozinha, separada por uma bancadinha, como nos filmes. E tinha dois quartos, um que usava como escritório, e o outro para dormir.
Foi até a geladeira pegar alguma coisa que pudesse preparar rapidamente no microondas. Ligou o eletrodoméstico e abriu a geladeira novamente, para beber a última cerveja. Quando adolescente, duvidava que um dia gostaria de cerveja, mas parece que magicamente, depois de certa idade, aquele gosto estranho e enjoado acaba se tornando agradável.
Encostou-se na bancada enquanto tomava goles pequenos. Estava pensativo.
Mas sua curta reflexão foi cortada pelo toque do telefone, e de alguma forma, Matt atendeu ao primeiro toque, deixando um pequeno rastro de destruição.
- Merda. - foi o que disse ao atender.
- É assim que me comprimenta depois de tanto tempo? - perguntou ela, adoravelmente.
- Ah, não é isso, é que derramei a cerveja.
- Estava bebendo?
- Isso parece muito decadente, mas eu só bebo uma lata por dia, e olhe lá.
Escutou um chiadinho no telefone, da risada contida que ela deixou escapar.
Depois de mais de uma década sem ouvir uma palavra sobre o outro, estavam ali, num reencontro desajeitado com um charme torto. É como quando se tem 15 anos e pensa em como deve ser um casamento, esperar mais dez anos sonhando com isso, até que as coisas rolam, tem o dia dos preparativos e dos ensaios, o dia do matrimônio, mas só cai a ficha de verdade quando está caminhando no tapete em direção ao altar, com duzentos olhares em cima do casal.
- Como você está? - ela quis saber.
- Estou bem, eu acho.
- Eu... - parou, respirando fundo. - Eu preciso falar com você. Pessoalmente.
- Por quê?
- Você disse que tem coisas minhas aí. - só agora percebeu como a voz dela continuava suave. Poderia dizer que ainda tinha 16 anos.
- Ah, sim.
- Isso é esquisito. - riu. - Onde podemos nos ver?
- Eu posso ir aí. Estou de "férias". Preciso sair.
- Ótimo. O que faz da vida?
- Escrevo.
- Que lindo! - exclamou, como uma adolescente. - Você gostava tanto de escrever, faz sentido.
- Acho que faz. - diz Matt, sorrindo. - E você, que faz?
- Sou professora.
- Professora? Uau. - estava realmente surpreso.
- Um aluno da oitava série disse que eu era a melhor professora do mundo uma vez. - riu.
- Aposto que era só cantada.
- Era. Depois ele me disse que as garotas da idade dela não lhe davam bola, daí tentou em mais velhas.
Matt refletiu por um momento.
- Esse é dos meus. - concluíu.
- Dos seus? - hesitou. - Namorando muito?
Por alguma razão, Matt não queria responder a pergunta, mesmo que a resposta não tivesse grandes informações.
- Na verdade, não, deve fazer o que, uns dois anos que uma garota se aproximou de mim pela última vez.
- Acho engraçado você falar "garota". É "mulher", não? Seu pedófilo.
Sorriu, finalmente se dando conta da boa conversa que estavam tendo.
- E eu acho que mentalmente, ainda tenho 16 anos.
A frase, para ele, resumia não apenas suas piadas ou seu jeito de agir. Mas deixar por isso soou como a melhor ideia.
- Eu também. - ela disse.
Sorriram ao mesmo tempo.
- Ei, eu tenho que desligar, tenho um caminhão de provas para corrigir. Depois nos falamos.
- Pode ser.
- Até mais, Matt.
- Até.
Desligou.
Agora Matt estava assustado. Só podia ser sua cabeça de criança pregando peças, pois pensou que aquela despedida simplesmente não fazia sentido sem um "eu te amo" no final.
Olhou para a cerveja no chão.
- O plano: limpar o chão, e sair para beber.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Fantasmas do Passado

Ele entra no quarto.
Os últimos meses tem sido tão conturbados que agora tudo parece tranquilo. Matt, nostálgico, dá mais um passo dentro de seu antigo quarto. Reconhece nas paredes uns pôsteres das bandas que gostava tanto e foram esquecidas junto com a casa. Assim como suas memórias, eram marcas opacas e fracas. O cheiro de poeira ali dentro lhe dá coceira no nariz, o que o faz passar por um rápido flashback, quase escutando a voz de sua mãe no corredor.
"Limpe o seu quarto!", dizia quase todos os dias.
Mas ele nunca limpava, afinal, o quarto era seu. Deixava-o escuro, charmosamente bagunçado e estilisado, bem ao gosto de sua cabeça adolescente da época. Ele caminha mais dois passos à esquerda e sente o colchão velho de sua cama, antes de sentar ali na beirada. Não é mais tão confortável como era há quinze anos.
Quando olha para frente, tem um deja vu. O pôster de uma banda chamada Paramore, bem na altura de seus olhos, na parede oposta. Seus olhos caem no lugar vazio ao seu lado.

- Gostei do seu quarto. - ela diz.
Lembra de ter ficado altamente satisfeito ao ouvir isso. Encostou a porta e sentou ao lado dela, no colchão. Sorriem de leve um para o outro. Ela estava linda, nunca havia visto uma garota que o fizesse querer chorar de tamanha beleza.
- Paramore. - ela sorri. - Você tem um pôster. - diz apontando.
- Tenho. É uma das minhas bandas preferidas. - diz. Na verdade, conhecia apenas umas quatro músicas, mas algo lhe dizia que ganharia mais pontos com ela falando isso.
-Eu só conheço algumas músicas. - diz, e Matt ri da ironia.
Tenta lembrar de como conseguiu levar aquele anjo para sua casa, sem sucesso. Parece ter algo a ver com sua mãe... ela era filha de uma amiga que veio visitá-la, e a garota veio junto.
- Você é tímido. - comenta.
- Sou, um pouco. - fala baixinho.
- Eu acho bonitinho um garoto tímido.
Não consegue conter o sorriso, seguido da cor avermelhada nas bochechas.
- Fico sem jeito quando me elogiam.
- Eu também. - ela ri.
Nessa hora, o espírito de galão de novela encarnou nele. Teve total certeza do que queria.
- Você é muito bonita. - disse. Nos filmes isso parecia funcionar.
- Ah. - corou rapidamente. - Merda.
- O quê?
Então ela o beijou.

Perdido em sua lembrança, acariciava o lugar vazio. Foi a primeira garota que beijou, também a primeira que amou. Teve vontade de chorar, ao perceber que quase não lembrava dela, uma memória tão boa, ali esquecida entre suas bandas antes favoritas.
Olhou para o resto do quarto, cada vez mais saudosista. Desejou tão forte poder voltar à essa época, que por um momento realmente acreditou ser possível tal feito. Não queria mudar nada, podia cometer os mesmo erros de novo, mas queria ter aquela época maravilhosa de volta. O amor era tão presente em seu dia-a-dia, mas foi desaparecendo até ser apenas o passado.
Quando a palavra "passado" lhe atingiu, sua expressão mudou. Levantou o colchão bruscamente, jogando muita poeira para cima. Estava ali. Um caderninho preto, grosso e cheio de orelhas - seu diário.
Pegou-o na mão, sem recordar da última vez que o fez, nem da primeira. Sem dúvida, pensou, deve ter algo a respeito daquela garota, cujo nome não lembrava. Sentou novamente, abrindo e lendo a primeira página.
Estava escrito: "Você é a única exceção."
Trancou um choro. A música que pairava em sua mente sempre que se encontrava pensando nela naquela época. Lembrou de ter dado extrema atenção a banda Paramore depois daquele dia. Ao mesmo tempo, lembrou de ter começado a escrever no diário daquele dia em diante.
Com um dedo, foi passando os olhos por sua caligrafia ansiosa.

"Devo começar isso com 'Querido diário?' Bom, não importa, acho que aqui posso me expressar como quiser certo? Hoje foi um dia muito esquisito, mas lindo. Uma amiga da minha mãe veio visitá-la depois de muito tempo, e a filha dela veio junto. Assim que a vi não pude deixar de pensar que era a garota mais linda do mundo, mesmo que parecesse besteira. Logo, a reconheci - costumávamos brincar juntos quando pequenos, no quintal atrás da casa. O sorriso dela agora, dez anos depois, era igualmente lindo. Claro que naquela época, eu não pensava nela dessa forma, mas agora tudo parece se encaixar. Quando subimos para meu quarto, senti um leve desespero me tomando. Estava sozinho com ela, depois de todo esse tempo, ela agora tão linda, eu tão... igual."

Parou um pouco. Lembrou de outra parte da conversa, antes do beijo. Sentado ao lado dela, falaram rindo sobre como tentavam fazer castelos de areia, ou sobre como tentaram cavar até o japão. Tudo parecia horrivelmente distante. Continuou lendo.

"Depois de conversarmos por quase meia hora, rindo como nunca, a conversa ficou mais séria. Ela comentou sobre o pôster da Paramore que tenho na parede, e sem saber por que, aquele meu desespero começou a voltar. Depois de me deixar totalmente sem jeito com um elogio fofo, do nada, me beijou! Simplesmente assim."

Parou de novo. Estava irritado. Seu cérebro parecia ter bloqueado tudo com uma força absurda, e agora que começava a ter essas dicas, as sensações vinham destruindo sua barreira emocional que tão cuidadosamente construiu antes de entrar. Estava com medo de continuar, com medo de continuar querendo ficar no passado.
Quem era essa garota, tão linda, tão apaixonante, cuja existência tornou-se tão misteriosa?
Pulou várias páginas, foi direto para o final do caderninho. Temeroso, leu o último parágrafo.

"Enfim, mudar de cidade não era bem o que eu queria. O pior de tudo não é nem deixar meu quarto, essas coisas materiais, por mais que me sejam importantes, não importam tanto. O que importa é ela. Deixá-la aqui, isso importa. Prometemos não perder contato, vou dar meu máximo para falar com ela todos os dias, para poder vê-la novamente um dia. Como se fosse fácil. Mas a tentativa dirá. Agora estão saindo e me chamando, estas são minhas últimas palavras aqui. Talvez um dia eu volte, e sorria dessa releitura. Espero que possa tê-la do meu lado ao fazê-lo. Adeus, querido diário."

Dessa vez, não aguentou. Desabou, de corpo e mente, em um choro. Lembrava de tudo.
Os dias passavam, os meses passavam, até que ela não respondia mais seus recados ou telefonemas. Insistiu até certo ponto, quando, irritado, desistiu, acabando por superar aquilo da pior forma possível. Foi por isso que ficou bêbado pela primeira vez. Os anos passaram, crescia, e a memória ia ficando cada vez mais distante.
Descobriu seu talento para escrever um tanto tarde, escrevia para jornais, até que lançou um livro surpreendentemente bem sucedido. Mas na hora de escrever mais um, veio o bloqueio mental, tão conhecido entre qualquer artista. Semanas passavam enquanto olhava para uma tela em branco no computador. Foi quando sua mãe disse que sua antiga casa ainda existia, e nunca fora alugada ou vendida, ainda estava lá, como a deixamos.
Parecia uma ótima ideia, mas começou a se arrepender no momento que deu o primeiro passo ali dentro. Podia formar imagens, cenas inteiras, às vezes faltando partes, de sua divertida infãncia e adolescência. Assim que a palavra 'divertida' passou por sua cabeça, lembrou de um dia que contou uma piada para a garota. Nem era uma piada tão boa, mas a risada dela, por alguma razão, soava nítida.
Riu, enxugando algumas lágrimas. Definitivamente, tinha algo para escrever sobre agora. Talvez escreva um maldito livro de auto-ajuda, pensou.
Levantou, mas antes de partir, talvez vendo algumas outras partes da casa, faltava descobrir uma coisa. Folheou o diário, procurando, até finalmente encontrar a frase que lembrava ter escrito.

"Eu te amo, Daniela."

Sorriu. Estava ali a declaração, quando a escreveu pela primeira vez. Na canto da página, o nome completo dela.

**

O dia seguinte chegou rápido.
Agora estava preparado. Comentou rapidamente com sua mãe sobre isso, ela apenas sorriu. Pegou o telefone, discou o número com código de área e DDD. Tocou uma vez, duas, três.
- Alô. - disse a voz feminina, e no mesmo momento, soube que era ela.
- Quem fala?
- Daniela.
- Oi, Dani, sou eu.

terça-feira, 16 de março de 2010

Um garoto e uma garota...

As pessoas pulam ao seu redor, mas não se empolga como elas. Seus pés permanecem cravados no chão, enquanto devaneia, querendo estar em outro lugar.

Parada com a cabeça baixa, brinca com as mãos, tocando com a ponta do dedos um triangulo que as amigas desenharam em sua mão. Seu próprio toque a leva ainda mais longe, pois aquelas duas mãos queriam estar tocando outro par distante.

É como estar no escuro.

As coisas acontecem, mas a garota não vê, sente apenas seu próprio corpo e os sentimentos ali dentro. Imagina que ele aparece em sua frente, caminhando em sua direção com aquele sorriso. Mesmo no escuro, consegue vê-lo - não apenas enxergar, mas realmente vê-lo por dentro. Foi a única pessoa com quem conseguiu compartilhar um sentimento, foi a única pessoa que lhe fazia acreditar em magia.

Tateia entre seus colares com os olhos fechados, até identificar aquele que tem significado. Aperta-o com força, marcando seu contorno na palma da mão.

Longe, o garoto acariciava a palma de sua mão imaginando o toque da garota, sem saber que, magicamente, ela podia sentí-lo.

sábado, 13 de março de 2010

Apenas uma vez

- É tudo muito relativo, não? - ela retruca.
Ele já está cansado de discutir. Tem vontade de dar-lhe um beijo apaixonado, se virar e acabar com tudo, esperando que um dia ela ligue para seus sentimentos. Mas seria apenas idiota.
- O que é relativo? - pergunta depois de uma pausa reflexiva.
- Nós. - fala como se fosse óbvio. - Todo relacionamento adolescente é assim não é?
- Não, nem todos.
- Todos são. - diz calmamente. - Você vai me esquecer eventualmente. Acontece. A vida continua.
Ele começa a acreditar. Será que o amor se baseia na conveniência, no que funciona com o momento, não no que é certo? É a emoção, nunca a razão?
- Desista. - ela diz. - Vai embora, me esquece, e pronto, sem danos.
O olhar dele levanta, furioso.
- É isso? - questiona indignado. - Tudo que sentimos era apenas isso? Eram hormônios, coisa de adolescente?
- Era... - responde, sem tanta certeza.
- Pois saiba que eu acreditei. Acreditei em cada palavra que já me disse, acreditei em todas. Quando está prestes a perder alguém, é quando vê se realmente ama essa pessoa, certo? Então é isso, você não me ama?
Ela não responde.
- Olha... - ele respira fundo, tentando se acalmar. - Eu vou sair por aquela porta e não vou voltar. Depois de tudo que passamos, o mínimo que eu queria era saber que você ia sentir saudades.
Ela desvia o olhar, mordendo os lábios.
- Você vai sentir minha falta quando eu partir?
- Vou. - sua voz quebra como vidro.
- Vai?
- Sim. - vira de costas para esconder o rosto.
Ela permanece em um silêncio estranho, confusa.
- Eu vou sentir sua falta. - sussurra. - Mas eu não queria sentir. Tenho medo de sentir.
- Não devia ter medo de algo tão bom.
- Tão bom? - retruca. - Tão bom sofrer?
- Tão bom amar.
Silêncio.
- Você me ama? - ele pergunta.
- Eu acho que sim.
- Eu te amo.
- Mas isso não importa, porque não podemos ficar juntos. Não adianta eu pensar que estaremos juntos em nossos corações, ou que estaremos juntos um dia, porque agora, não vai acontecer.
Suspiram pesadamente.
- Pra mim, importa. - ele diz, enquanto caminha em direção a porta.



Quantas vezes encontramos a pessoa certa? Apenas uma vez.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Eyes Open


A batida grave e alta é ensurdecedora, até irritante, apesar de criar certa atmosfera. Os sintetizadores confusos deixam uma sensação de caos na cabeça, ainda somando as luzes azuis que piscavam sem parar; uma pessoa empolgada ou bêbada o suficiente poderia entrar em transe.
Olhando para tudo aquilo, Sam perguntava-se por que havia aceitado o convite. Nunca gostou de sair ou dançar e não reconhecia sequer um dos rostos risonhos ao seu redor. Seus únicos acompanhantes já estavam tão bêbados quanto o resto.
Olhou por cima de algumas cabeças e viu a saída, a grande abertura que levava à recepção, que levava a saída. Tentou não esbarrar em ninguém, mas os braços voadores acertaram-no duas vezes. Os hiatos das luzes dificultavam a passagem, mas fazia parecer arte. As luzes azuis nos rostos sorridentes, relances de felicidade, com o efeito quadro a quadro dos pulos.
Finalmente livre, apressou-se para o pequeno lance de escadas que separava a danceteria da recepção. Mais cinco passos e estaria fora. Tão rápido quanto se imaginou em liberdade, percebeu que era cedo demais. O pé mal tocou a terceiro degrau quando trançou em algo que me empurrou. Sem escolha, tentou virar no ar para evitar danos, mas caiu com o ombro direito no azulejo.
Recuperado do baque violento, procurou descobrir o causador do acidente. Aos seus pés, deitada nos degraus, uma garota com um vestido bonito de alguma forma trançou os braços em suas pernas.
- Você está bem? – um segurança perguntou, estendendo-me a mão.
- Estou. – aceitei o gesto ainda estudando a garota.
Levantou a cabeça, confusa, mas rindo. As luzes ofuscantes não lhe permitiram grandes observações, mas pôde concluir que estava bêbada, tendo em vista a garrafa em sua mão. Parecia alheia a sua presença, mesmo quando puxou as pernas do meio de seus braços. Levantou em seguida, como se nada tivesse acontecido, e voltou para o meio do grande salão, onde se perdeu novamente.
- Está bem, moço? – insistiu o segurança educado, lançando um olhar de reprovação para a multidão.
- Sim, estou. – mentiu. Dali a alguns minutos, uma mancha roxa marcaria o local exato da pancada.
Sacudiu a cabeça, tentando ignorar o incidente. Continuou o caminho até a saída para a rua, acompanhado pelo segurança. Perto da porta, havia mais dois seguranças em roupa preta, um de cada lado da porta. O da esquerda, uma mulher, assustou-se ao vê-lo com a mão no braço.
- O que aconteceu? – dirigiu-se em um tom preocupado ao gigante que o acompanhava. Assumiu o pior.
- Nada – tranqüilizou-a -, ele caiu. Foi derrubado. – corrigiu-se.
- Está bem? – falou diretamente com Sam agora.
- Sim, estou ótimo, foi só uma batida. – o excesso de atenção lhe era esquisito. – Vou ficar ali na rua esperando meus amigos.
- Estão lá dentro? – franziu a testa.
- Sim.
- Eles não voltam cedo, garoto.
- Eu sei. – suspirou. – Mesmo assim, vou ficar. Obrigado.
Estava surpreso com a gentileza. Ao entrar, pareciam todos tão duros e rígidos.
A saída estava a dois passos e não perdeu mais tempo.
Sair do clube foi como sair de uma caixa de fósforos. O ar estava frio, ardendo nos pulmões, e só agora que o barulho virara um ruído ao fundo, percebia o quão irritante realmente era. Caminhou até a beira da escadaria da entrada, esta maior, com uns vinte degraus. Sentou no primeiro e relaxou, respirando fundo. Em seguida, apoiou os dois braços no chão frio, sentindo o direito doer um pouco.
Fechou os olhos por um momento, tentando relaxar. Só então atentou por detalhes, como uma dor de cabeça, o zunido no ouvido, o frio e a dor no ombro.
Seus olhos encontraram as estrelas. Esquecera o quanto isso o relaxava. Levantou e curvou-se para enxergar as horas no relógio e termômetro do clube, escondido atrás de uma árvore.
Onze e meia. Pausa. Quatorze graus.
Bocejou. Ficar parado não ia ajudar a passar o tempo. Desceu a escada e olhou para os lados. À esquerda, a entrada e saída para carros do clube, com um balcão coberto para o homem que cuida quem pode ou não passar por ali. A luz estava acesa, mas ele não estava lá. À direita, um pedaço do estacionamento, a quadra de tênis ao fundo, e uma curva para a direita, que levava a uma pista para caminhadas, aos campos de futebol e a uma entrada ou saída alternativa para o local das danças.
Antes que pensasse se ia caminhar para lá ou não, alguém apareceu saindo da curva, cambaleando e com as mãos na parede, se equilibrando. Usava um vestido. A mesma garota que o derrubou, bem ali, tropeçando de bêbada.
Ela desaba no chão, chorando. Imediatamente e meio involuntariamente, correu para ajudá-la. Abaixou-se ao seu lado e percebeu que havia ralado os joelhos no cimento. A maquiagem destruída por algumas lágrimas. Uma imagem extremamente decadente.
- Você está bem? – perguntou, sem esperar resposta. Ela não fala, apenas chora histericamente.
Com cuidado, carregou-a até o banco mais próximo, embaixo de uma árvore, apesar de estar um bocado escuro. Sentou na ponta e deitou a cabeça dela em sua perna.
“O que estou fazendo?”, questionou-se.
Deveria ter chamado alguém, mas agora estava com uma responsabilidade gigante nas mãos. A garota estava se aquietando, apenas fungando vez ou outra, soluçando. Desta vez, estudou-a com mais atenção. Usava o tal vestido bonito, branco. O cabelo nos ombros, de um castanho muito claro, quase loiro.
- Ei, consegue me ouvir? – chamou baixinho depois de alguns minutos. Ela fez que sim com a cabeça.
Queria tentar entender o que aconteceu e porque ela separou-se das amigas. Como começar, não sabia.
Enquanto permanecia em silêncio por um minuto, imaginou se ela era a garota popular, a experiente em beijos que já ficou com vários garotos e desafia os pais de vez em quando, ou se era a garota tímida, forçada a ir à formatura, talvez até tenha ido por vontade própria numa tentativa de se incluir em algum grupo. De qualquer forma, bebeu além da conta e estava ali no colo de um estranho bonzinho.
- Estou triste... – murmurou com a voz rouca.
Não sabia se deveria perguntar algo, mas arriscou.
- Por quê?
- Eu amava ele. – falava com ênfases exageradas, como num teatro. – Acho que bebi demais.
Bebeu. O caso era mais esquisito do que eu pensava. Levou um pé na bunda e está tentando esquecer, ou foi trocada por outra, ou etc.
- O pior... – ela se virou em seu colo, ficando com a cabeça para cima, encarando-o. -... é que eu amava ele de verdade. Como nos filmes. – seus olhos desviaram para um lugar muito longe em sua imaginação, enquanto sorria.
Por mais que quisesse dizer-lhe que não era bem assim, não parecia uma boa hora para lições de moral.
- Como ele era? – perguntou.
- Lindo, muito lindo. Cabelos escuros, alto... engraçado, charmoso, tão bonitinho. – sorria. – Ele me mandava bilhetinhos.
Havia algo de muito sincero naquilo, mas podia ser apenas sua fértil imaginação. Não conseguia deixar de pensar na forte ilusão que aquela garota caiu e na raiva que sentia do garoto em questão.
- Como vocês se conheceram?
- Na escola. Foi tão engraçado, ele também gostava de mim, mesmo antes de eu falar com ele a respeito. Começos são tão complicados, mas o nosso foi tão fácil. – seu tom bem humorado foi se dissipando à medida que terminava a frase. Ela estava pensando no fim.
- Mas tudo vai ficar bem agora. – Sam arriscou.
- Sem ele, é difícil.
- Devem ter outros garotos legais por aí.
- Não, ele era único.
Estava começando a se irritar um pouco tamanha teimosia. Mas além de estar com o coração partido, estava bêbada.
- Sabe de uma coisa? – ela perguntou.
- Fale.
- Você não entendeu. Eu o amava.
- Eu sei.
- Não sabe não. – fez uma pausa pequena e sorriu de leve. – Quando eu olho para o céu, lembro dele.
- Haha, um anjinho. – respondeu brincando, lembrando das poesias de estar apaixonado.
- Sim, um anjo. – sorriu, em seguida encontrou seus olhos. – Você é muito gentil. Se quiser saber, não estou tão bêbada assim.
- Bom saber.
- Pular e beber não ajuda em muita coisa.
- Concordo. Por isso saí de lá.
- Quer saber por que eu saí? – perguntou retoricamente. – De repente meu mundo caiu. Percebi que risadas falsas e barulho não curariam isso. – colocou a mão em seu coração machucado.
Sam achou que estava começando a entender. Não podia julgar o que havia acontecido apenas pela imagem dela ou por suas palavras. Nem mesmo vendo poderia descrever. No fundo, apesar de tudo, ainda estava cético. Poderia ser apenas uma adolescente tendo ataques.
- Se não se importa, vou ficar aqui com você um pouco. – ela sussurrou.
- Tudo bem. – Sam viu que poderia estar ali uma nova amiga. Imaginou-se no futuro com ela falando sobre o garoto, talvez tentando se esconder quando o encontrassem em algum lugar.
Ficaram pensativos por um longo momento. Até que Sam perguntou:
- Por que você não tenta de novo?
- Como assim?
- Tenta reconquistá-lo.
- Queria que fosse assim tão simples. Você ainda não entendeu.
- Explique-me.
Fechou os olhos, deixando escapar uma lágrima que estava presa no canto do olho.
- Eu nunca mais vou vê-lo. – desabafou. – Por isso gosto de olhar para o céu. É onde ele está agora, com outros anjinhos. Por isso, por enquanto, apenas olho para o céu. Quando nos despedimos, a última coisa que me disse foi “encontro você no céu”. – sorriu. – Talvez um dia, eu realmente o encontre lá.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Dia das Mulheres


Aquilo de que não vivemos sem elas é verdade. Tanto no sentido literal (nunca ouvi falar de um homem grávido), quanto depois, durante o desenvolvimento da vida.

Para quem eu falaria tanta m**** numa frase só, né Bibiana?
Para quem eu pediria conselhos né Lê?
Ou por quem eu me apaixonaria por três anos pra depois desencantar e aprender lição de vida, né Patrícia? (essa nem lembra que eu existo)
Quem me dá um abraço por minuto, né irmãzinha?

Sendo mais profundo, pra quem poderia perguntar aquelas típicas opiniões femininas?
- Será que ela gosta de mim mesmo?
- Gosta, eu sei.
- Como sabe?
- Eu sei. - diz, orgulhosa. Ah, essa intuição feminina me surpreende.

Até uma grande amiga que mora longe tenho, né Lívia?

Até mesmo um grande gigante imensurávelmente imenso amor: Dani!

São tantas mulheres em minha vida, e não poderia me imaginar sem elas. Tenho até aquela amiga bem FDP que nem abraço no cara dá, né Senhorita Letícia Bez Batti?
Mas dá nada, eu roubo.

Poder arrancar aquelas risadas exageradas no MSN da senhorita Jaciara também é um prazer.
Brincar de dar socos e chutes na Beatriz também é legal. Às vezes ela merece.

Minhas queridas priminhas, uma que come ração de cachorro como se fosse bolacha, a outra, quase tão louca quanto eu. Quase.

Não dá pra colocar todo mundo aqui, só coloquei os exemplos que fazem rir e trazem mais visitas pro blog! (risos)

Brincadeira, é bacana ter um dia para dizer isso de coração:
Mulheres da minha vida, obrigado por me tornarem um homem mulher, opa, digo, um homem melhor!

sexta-feira, 5 de março de 2010

A fórmula da burrice

Homens...
1. Não conseguem cozinhar, ver futebol, jogar videogame, limpar a casa e passar roupas ao mesmo tempo.

2. Conseguem ir ao banheiro sozinhos depois de um tempo, mas deixam a tampa da privada levantada (às vezes, com uma surpresa bônus).

3. Por se considerarem práticos, são mais rápidos no mercado, o que implica na compra de produtos vencidos e/ou de qualidade duvidosa.

4. Tem menor controle de suas ações, agindo por impulso na maior parte do tempo, consequentemente, fazendo m****.

5. Não perdem UMA chance de fazer cantadas/piadas/assédios com as pulseiras do sexo (artefato que provavelmente foi inventado por um homem).

6. Caso realmente gostem de Avril Lavigne, nunca revelariam em público, apesar de escutar escondido em casa, cantando bem alto "Hey Hey, You You, I wan't to be your girlfriend!"

7. Bebem cerveja, mesmo tendo gosto de água do mar.

8. Tocam violão, aprendem a cantar e se esforçam por qualquer outra arte apenas para atrair mulheres.

9. Não acreditam no amor, até que se encontram apaixonados.

10. Realmente acreditam que para "pegar" uma mulher, deve maltratá-la ou elogiar a mulher ao lado dela.

Conclusão: ter testosterona no organismo faz mal para a inteligência.



Comentários adicionais:
É sempre legal brincar com o estereótipo do machão, mas claro que existem homens "normais" por aí. Nem conheço tantos rapazes que se encaixam no estereótipo, mas se não existissem, não haveria o tal do estereótipo... Fica a pergunta: homem de verdade é o machão ou o sensível?

OBS: sou do tipo sensível e faço piadas com isso.

Sou homem de mentira? (risos)

segunda-feira, 1 de março de 2010

The Hardest Part

OBS: essa carta é para a mãe da Dani, quem visita o blog deve saber quem é (risos). Não é propaganda enganosa... será que conquisto ela?

--


Oi, sou o Jack.
Talvez já tenha ouvido falar de mim por aí, ou visto a Dani lendo umas das minhas cartas, ou até lido uma delas. De qualquer forma, vamos lá.

Algumas vezes já, como qualquer pessoa, sofri desilusões amorosas. Dizem que para saber do que realmente se trata, precisa sofrer pelo menos uma dezena de vezes, mas quem é sábio aprende com o erro dos outros né? Quem criou essa frase devia ter anexado a exceção da regra em relação a desilusões.
Daí eu pensava nos filmes, em quantas vezes assisti aqueles romances inacabados e aqueles belíssimos. Os primeiros, tristes e sem fim, deixam aquele vazio quando o filme termina. Então penso "Será que a vida é assim? Será que minha busca por amor verdadeiro é apenas uma fase da adolescência?"
Mas e Titanic? E Diário de uma Paixão? E o filme preferido da Dani, Dança Comigo? O único que envolve adolescentes é Diário de uma Paixão, e é apenas no começo, pois os anos depois passam dolorosamente devagar, mas o amor não morre. Fica a pergunta: Será que os filmes mentem tanto?
Crepúsculo até exagera um pouco, mas os romances para a vida toda não são farsas. Talvez não venham tão facilmente, talvez não comecem com tanto charme ou com diálogos inteligentes, talvez não se resolvam em uma hora e meia, mas valem a luta e todo o esforço.

A vida real é bem mais difícil.
Quebramos a cara várias vezes, nem sempre se recuperando tão rápido. Amor existe em todos os cantos, amor pelos nossos pais, nossos irmãos, amigos e amigas. Esse tal amor por uma única pessoa, o que nos leva a namorar e casar com ela um dia, é o mais difícil de conseguir e manter vivo. Altos e baixos o tempo todo, mas é amor.

OK, deixando claro meu pensamento sobre o amor, que tal saber um pouco sobre mim?

Apesar de meu apelido, Jack, ter várias referências na cultura pop, me assemelho em pouco ou nada com elas.
Jack Bauer: rude e grosseiro, se achando o machão; nada a ver comigo.
Jack Sparrow: mulherengo e mentiroso; mentiroso, não, mulherengo, nem um pouco.
Jack Estripador: sem comentários.
Jack Shepard (do Lost): às vezes eu fico chorando por nada, já fiquei perdido, já fui trocado por outro garoto pela garota que gostava, e para por aí.
Jack Johnson: adora um violão, uma boa música e momentos relax. É o mais parecido comigo.

Mas é muito genérico me definir assim.

Quero viver escrevendo, é o que mais gosto de fazer, mas ainda estou indeciso sobre que rumo tomar no final do terceiro ano. Faculdade de Letras? Talvez.
Sou cinéfilo, e consequentemente, sou bem chato para filmes (risos). Também adoro uma boa música, como arte mesmo, não apenas comercial.
Na maior parte do tempo, não levo a vida muito a sério - tenho uma facilidade um tanto absurda para superar problemas (à esse ponto já estou acostumado). Brincadeiras à parte, têm momentos em que a vida me parece tão bela quanto simples. Olhar para a lua nunca perde o encanto para mim, assim como olhar para as estrelas e escrever alguma poesia a respeito - outra coisa que adoro, poesias. Esqueci de mencionar que me amarro num bom livro. Até vou publicar algum dia.

Quando penso no futuro, penso na Dani. Tá certo que no meu primeiro amor, pensava essas coisas também, e no segundo, e no terceiro, enfim. O fato é que nunca antes pensei tão seriamente. Começou com brincadeiras sobre viajar pelo Brasil, como mochileiros ou o que fosse. Depois falamos em ir para a praia, deitar na areia e ver as estrelas (acostume-se com o excesso de açúcar em nossas viagens). Anel de compromisso, casa, etc, já pensamos pelo menos mil vezes em tudo isso. Por enquanto, é apenas um sonho bem distante, e também é uma das razões de eu estar escrevendo isso para você.
Namoro à distância não é fácil, na verdade, é irreal e absurdo.
Deve ser por isso que as pessoas gostam de se encontrar uma hora ou outra. No meio de tudo, é meu sonho mais próximo da realidade, mas não posso simplesmente aparecer e esperar ser bem-vindo.
Gastei no mínimo uns cem reais com sua filha já - nada mal para um mês de namorico né? (risos) Foram cartas e presentes, mas o principal, as duas vezes que falei com ela no telefone. Interurbana para celular é uma fortuna, mas na hora não importava. Nossas conversas sobre a lua, sobre nossa banda preferida, a risada dela no telefone... tudo, simplesmente tudo é perfeito.

Gosto muito da Daniela. E é com toda sinceridade, que peço pela chance de me apresentar formalmente (por telefone, por enquanto) e se merecer, ser bem-vindo quando resolver dar um pulinho aí.

Diego Lopes Silveira - mais conhecido por Jack.