sábado, 20 de março de 2010

Fantasmas do Passado - Parte 2

- Oi, Dani, sou eu.
A frase flutua no silêncio, até atingir o outro lado da linha por completo. Pensou que seria um momento até triste, mas parecia agora tão lindo quanto poético. Matt tem certeza que ela também sabe quem está falando.
- "Eu" quem? - ela pergunta.
- Matt. - murmura um pouco decepcionado.
Então ele escuta uma arfada, chiados e um baque, antes da linha cair. Era realmente difícil de não sorrir, por qualquer motivo que fosse, mas ali, o reencontro que havia imaginado já era uma cena distante.
Acomodou o telefone no gancho, pensando por alguns segundos.
- Quem sou eu pra desistir agora? - falou para si mesmo, apertando o botão de rediscagem.
Chamou uma vez.
- Quem fala? - uma outra voz desconhecida atendeu furiosa.
- O quê? - Matt não entendeu. - De onde é?
- Da casa da Daniela, foi você que ligou para cá agora?
- Foi.
- O que você disse? - exigia.
- Nada, eu só falei que meu nome era Matt.
Três segundos de silêncio.
- Matt? - a voz estava carinhosa agora.
- Sim, quem está falando?
- É a mãe dela.
Definitivamente esse não era o reencontro que Matt imaginara. Sempre teve uma aversão a pais de garotas que já namorou, quase uma fobia. O que era estranho considerando que tinha 27 anos.
- O que aconteceu? - perguntou Matt.
- Ela desmaiou.
- Oh. - foi o melhor que teve a dizer.
Por um momento, perguntou-se se aquilo era bom.
- Coitadinha, quase bateu a cabeça na mesa. - murmurou a mãe dela, meio que para si mesma.
- Você parece tranquila.
- Digamos que não é tão incomum isso acontecer.
Matt sorriu. Saber disso, imaginá-la desmaiando por uma bobiça era cômico - de alguma forma distorcida.
- Ei, então, pode dizer para ela me ligar depois? - disse. - Eu tenho que falar com ela sobre algumas coisas, ah, algumas coisas dela que encontrei na minha casa antiga.
- Aquela casa ainda existe?
- Sim, como a deixamos.
Ela suspirou.
- Muito bem. Assim que ela acordar, eu digo que você ligou.
- Muito obrigada.
- Até mais, Matt.
- Até.
Chiado. Ficou imaginando se a mãe dela tinha algum conhecimento do que ele queria falar sobre. Talvez já tenha até perguntado, mas não lembra se Daniela contava essas coisas para sua mãe. Em suas lembranças, ela sempre foi tão aberta, tão verdadeira... não conseguia pensar em uma mãe tão ignorante para não perceber o estado da filha, qualquer que fosse.
Qualquer que fosse.
Evitava ao máximo pensar em respostas para a perda de contato. Tinha medo de saber. Se foi com o propósito de sofrer menos, entendível, mas por que não avisou? Se queria terminar, por que fazer do jeito mais difícil?
Suspirou.
Não era hora de pensar nessas coisas. Esperava que logo, o telefone tocasse e teria todas as respostas que quissese, por bem ou por mal. Mas naquele exato momento, sofria de um mal irrepreensível: fome.
Estava no seu apartamento, talvez seu lugar preferido no mundo. Quando o comprou, foi como comprar um tênis que encaixasse perfeitamente no pé, daqueles que não dá vontade de pisar no chão pra não estragar. Era pequeno, tinha uma sala de estar confortável, junto com a cozinha, separada por uma bancadinha, como nos filmes. E tinha dois quartos, um que usava como escritório, e o outro para dormir.
Foi até a geladeira pegar alguma coisa que pudesse preparar rapidamente no microondas. Ligou o eletrodoméstico e abriu a geladeira novamente, para beber a última cerveja. Quando adolescente, duvidava que um dia gostaria de cerveja, mas parece que magicamente, depois de certa idade, aquele gosto estranho e enjoado acaba se tornando agradável.
Encostou-se na bancada enquanto tomava goles pequenos. Estava pensativo.
Mas sua curta reflexão foi cortada pelo toque do telefone, e de alguma forma, Matt atendeu ao primeiro toque, deixando um pequeno rastro de destruição.
- Merda. - foi o que disse ao atender.
- É assim que me comprimenta depois de tanto tempo? - perguntou ela, adoravelmente.
- Ah, não é isso, é que derramei a cerveja.
- Estava bebendo?
- Isso parece muito decadente, mas eu só bebo uma lata por dia, e olhe lá.
Escutou um chiadinho no telefone, da risada contida que ela deixou escapar.
Depois de mais de uma década sem ouvir uma palavra sobre o outro, estavam ali, num reencontro desajeitado com um charme torto. É como quando se tem 15 anos e pensa em como deve ser um casamento, esperar mais dez anos sonhando com isso, até que as coisas rolam, tem o dia dos preparativos e dos ensaios, o dia do matrimônio, mas só cai a ficha de verdade quando está caminhando no tapete em direção ao altar, com duzentos olhares em cima do casal.
- Como você está? - ela quis saber.
- Estou bem, eu acho.
- Eu... - parou, respirando fundo. - Eu preciso falar com você. Pessoalmente.
- Por quê?
- Você disse que tem coisas minhas aí. - só agora percebeu como a voz dela continuava suave. Poderia dizer que ainda tinha 16 anos.
- Ah, sim.
- Isso é esquisito. - riu. - Onde podemos nos ver?
- Eu posso ir aí. Estou de "férias". Preciso sair.
- Ótimo. O que faz da vida?
- Escrevo.
- Que lindo! - exclamou, como uma adolescente. - Você gostava tanto de escrever, faz sentido.
- Acho que faz. - diz Matt, sorrindo. - E você, que faz?
- Sou professora.
- Professora? Uau. - estava realmente surpreso.
- Um aluno da oitava série disse que eu era a melhor professora do mundo uma vez. - riu.
- Aposto que era só cantada.
- Era. Depois ele me disse que as garotas da idade dela não lhe davam bola, daí tentou em mais velhas.
Matt refletiu por um momento.
- Esse é dos meus. - concluíu.
- Dos seus? - hesitou. - Namorando muito?
Por alguma razão, Matt não queria responder a pergunta, mesmo que a resposta não tivesse grandes informações.
- Na verdade, não, deve fazer o que, uns dois anos que uma garota se aproximou de mim pela última vez.
- Acho engraçado você falar "garota". É "mulher", não? Seu pedófilo.
Sorriu, finalmente se dando conta da boa conversa que estavam tendo.
- E eu acho que mentalmente, ainda tenho 16 anos.
A frase, para ele, resumia não apenas suas piadas ou seu jeito de agir. Mas deixar por isso soou como a melhor ideia.
- Eu também. - ela disse.
Sorriram ao mesmo tempo.
- Ei, eu tenho que desligar, tenho um caminhão de provas para corrigir. Depois nos falamos.
- Pode ser.
- Até mais, Matt.
- Até.
Desligou.
Agora Matt estava assustado. Só podia ser sua cabeça de criança pregando peças, pois pensou que aquela despedida simplesmente não fazia sentido sem um "eu te amo" no final.
Olhou para a cerveja no chão.
- O plano: limpar o chão, e sair para beber.

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