quinta-feira, 18 de março de 2010

Fantasmas do Passado

Ele entra no quarto.
Os últimos meses tem sido tão conturbados que agora tudo parece tranquilo. Matt, nostálgico, dá mais um passo dentro de seu antigo quarto. Reconhece nas paredes uns pôsteres das bandas que gostava tanto e foram esquecidas junto com a casa. Assim como suas memórias, eram marcas opacas e fracas. O cheiro de poeira ali dentro lhe dá coceira no nariz, o que o faz passar por um rápido flashback, quase escutando a voz de sua mãe no corredor.
"Limpe o seu quarto!", dizia quase todos os dias.
Mas ele nunca limpava, afinal, o quarto era seu. Deixava-o escuro, charmosamente bagunçado e estilisado, bem ao gosto de sua cabeça adolescente da época. Ele caminha mais dois passos à esquerda e sente o colchão velho de sua cama, antes de sentar ali na beirada. Não é mais tão confortável como era há quinze anos.
Quando olha para frente, tem um deja vu. O pôster de uma banda chamada Paramore, bem na altura de seus olhos, na parede oposta. Seus olhos caem no lugar vazio ao seu lado.

- Gostei do seu quarto. - ela diz.
Lembra de ter ficado altamente satisfeito ao ouvir isso. Encostou a porta e sentou ao lado dela, no colchão. Sorriem de leve um para o outro. Ela estava linda, nunca havia visto uma garota que o fizesse querer chorar de tamanha beleza.
- Paramore. - ela sorri. - Você tem um pôster. - diz apontando.
- Tenho. É uma das minhas bandas preferidas. - diz. Na verdade, conhecia apenas umas quatro músicas, mas algo lhe dizia que ganharia mais pontos com ela falando isso.
-Eu só conheço algumas músicas. - diz, e Matt ri da ironia.
Tenta lembrar de como conseguiu levar aquele anjo para sua casa, sem sucesso. Parece ter algo a ver com sua mãe... ela era filha de uma amiga que veio visitá-la, e a garota veio junto.
- Você é tímido. - comenta.
- Sou, um pouco. - fala baixinho.
- Eu acho bonitinho um garoto tímido.
Não consegue conter o sorriso, seguido da cor avermelhada nas bochechas.
- Fico sem jeito quando me elogiam.
- Eu também. - ela ri.
Nessa hora, o espírito de galão de novela encarnou nele. Teve total certeza do que queria.
- Você é muito bonita. - disse. Nos filmes isso parecia funcionar.
- Ah. - corou rapidamente. - Merda.
- O quê?
Então ela o beijou.

Perdido em sua lembrança, acariciava o lugar vazio. Foi a primeira garota que beijou, também a primeira que amou. Teve vontade de chorar, ao perceber que quase não lembrava dela, uma memória tão boa, ali esquecida entre suas bandas antes favoritas.
Olhou para o resto do quarto, cada vez mais saudosista. Desejou tão forte poder voltar à essa época, que por um momento realmente acreditou ser possível tal feito. Não queria mudar nada, podia cometer os mesmo erros de novo, mas queria ter aquela época maravilhosa de volta. O amor era tão presente em seu dia-a-dia, mas foi desaparecendo até ser apenas o passado.
Quando a palavra "passado" lhe atingiu, sua expressão mudou. Levantou o colchão bruscamente, jogando muita poeira para cima. Estava ali. Um caderninho preto, grosso e cheio de orelhas - seu diário.
Pegou-o na mão, sem recordar da última vez que o fez, nem da primeira. Sem dúvida, pensou, deve ter algo a respeito daquela garota, cujo nome não lembrava. Sentou novamente, abrindo e lendo a primeira página.
Estava escrito: "Você é a única exceção."
Trancou um choro. A música que pairava em sua mente sempre que se encontrava pensando nela naquela época. Lembrou de ter dado extrema atenção a banda Paramore depois daquele dia. Ao mesmo tempo, lembrou de ter começado a escrever no diário daquele dia em diante.
Com um dedo, foi passando os olhos por sua caligrafia ansiosa.

"Devo começar isso com 'Querido diário?' Bom, não importa, acho que aqui posso me expressar como quiser certo? Hoje foi um dia muito esquisito, mas lindo. Uma amiga da minha mãe veio visitá-la depois de muito tempo, e a filha dela veio junto. Assim que a vi não pude deixar de pensar que era a garota mais linda do mundo, mesmo que parecesse besteira. Logo, a reconheci - costumávamos brincar juntos quando pequenos, no quintal atrás da casa. O sorriso dela agora, dez anos depois, era igualmente lindo. Claro que naquela época, eu não pensava nela dessa forma, mas agora tudo parece se encaixar. Quando subimos para meu quarto, senti um leve desespero me tomando. Estava sozinho com ela, depois de todo esse tempo, ela agora tão linda, eu tão... igual."

Parou um pouco. Lembrou de outra parte da conversa, antes do beijo. Sentado ao lado dela, falaram rindo sobre como tentavam fazer castelos de areia, ou sobre como tentaram cavar até o japão. Tudo parecia horrivelmente distante. Continuou lendo.

"Depois de conversarmos por quase meia hora, rindo como nunca, a conversa ficou mais séria. Ela comentou sobre o pôster da Paramore que tenho na parede, e sem saber por que, aquele meu desespero começou a voltar. Depois de me deixar totalmente sem jeito com um elogio fofo, do nada, me beijou! Simplesmente assim."

Parou de novo. Estava irritado. Seu cérebro parecia ter bloqueado tudo com uma força absurda, e agora que começava a ter essas dicas, as sensações vinham destruindo sua barreira emocional que tão cuidadosamente construiu antes de entrar. Estava com medo de continuar, com medo de continuar querendo ficar no passado.
Quem era essa garota, tão linda, tão apaixonante, cuja existência tornou-se tão misteriosa?
Pulou várias páginas, foi direto para o final do caderninho. Temeroso, leu o último parágrafo.

"Enfim, mudar de cidade não era bem o que eu queria. O pior de tudo não é nem deixar meu quarto, essas coisas materiais, por mais que me sejam importantes, não importam tanto. O que importa é ela. Deixá-la aqui, isso importa. Prometemos não perder contato, vou dar meu máximo para falar com ela todos os dias, para poder vê-la novamente um dia. Como se fosse fácil. Mas a tentativa dirá. Agora estão saindo e me chamando, estas são minhas últimas palavras aqui. Talvez um dia eu volte, e sorria dessa releitura. Espero que possa tê-la do meu lado ao fazê-lo. Adeus, querido diário."

Dessa vez, não aguentou. Desabou, de corpo e mente, em um choro. Lembrava de tudo.
Os dias passavam, os meses passavam, até que ela não respondia mais seus recados ou telefonemas. Insistiu até certo ponto, quando, irritado, desistiu, acabando por superar aquilo da pior forma possível. Foi por isso que ficou bêbado pela primeira vez. Os anos passaram, crescia, e a memória ia ficando cada vez mais distante.
Descobriu seu talento para escrever um tanto tarde, escrevia para jornais, até que lançou um livro surpreendentemente bem sucedido. Mas na hora de escrever mais um, veio o bloqueio mental, tão conhecido entre qualquer artista. Semanas passavam enquanto olhava para uma tela em branco no computador. Foi quando sua mãe disse que sua antiga casa ainda existia, e nunca fora alugada ou vendida, ainda estava lá, como a deixamos.
Parecia uma ótima ideia, mas começou a se arrepender no momento que deu o primeiro passo ali dentro. Podia formar imagens, cenas inteiras, às vezes faltando partes, de sua divertida infãncia e adolescência. Assim que a palavra 'divertida' passou por sua cabeça, lembrou de um dia que contou uma piada para a garota. Nem era uma piada tão boa, mas a risada dela, por alguma razão, soava nítida.
Riu, enxugando algumas lágrimas. Definitivamente, tinha algo para escrever sobre agora. Talvez escreva um maldito livro de auto-ajuda, pensou.
Levantou, mas antes de partir, talvez vendo algumas outras partes da casa, faltava descobrir uma coisa. Folheou o diário, procurando, até finalmente encontrar a frase que lembrava ter escrito.

"Eu te amo, Daniela."

Sorriu. Estava ali a declaração, quando a escreveu pela primeira vez. Na canto da página, o nome completo dela.

**

O dia seguinte chegou rápido.
Agora estava preparado. Comentou rapidamente com sua mãe sobre isso, ela apenas sorriu. Pegou o telefone, discou o número com código de área e DDD. Tocou uma vez, duas, três.
- Alô. - disse a voz feminina, e no mesmo momento, soube que era ela.
- Quem fala?
- Daniela.
- Oi, Dani, sou eu.

8 comentários:

  1. Amo amo *-*' Não tenho mais o que dizer nos comentários dos teus textos, vão ser sempre todos iguais -oksaokasoksako d:

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  2. Gostei muito do sabor de mistério misturado com drama. Ficou bem legal, mas não entendi muito bem e nesses casos nada melhor como perguntar ao próprio autor, afinal fiquei curioso. A garota realmente existiu ou era só uma história que estava escrito no diário?

    abraços, amigo

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  3. ai ai, gostei tanto que vou até seguir! beijos e passa lá no meu!

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