quinta-feira, 11 de março de 2010

Eyes Open


A batida grave e alta é ensurdecedora, até irritante, apesar de criar certa atmosfera. Os sintetizadores confusos deixam uma sensação de caos na cabeça, ainda somando as luzes azuis que piscavam sem parar; uma pessoa empolgada ou bêbada o suficiente poderia entrar em transe.
Olhando para tudo aquilo, Sam perguntava-se por que havia aceitado o convite. Nunca gostou de sair ou dançar e não reconhecia sequer um dos rostos risonhos ao seu redor. Seus únicos acompanhantes já estavam tão bêbados quanto o resto.
Olhou por cima de algumas cabeças e viu a saída, a grande abertura que levava à recepção, que levava a saída. Tentou não esbarrar em ninguém, mas os braços voadores acertaram-no duas vezes. Os hiatos das luzes dificultavam a passagem, mas fazia parecer arte. As luzes azuis nos rostos sorridentes, relances de felicidade, com o efeito quadro a quadro dos pulos.
Finalmente livre, apressou-se para o pequeno lance de escadas que separava a danceteria da recepção. Mais cinco passos e estaria fora. Tão rápido quanto se imaginou em liberdade, percebeu que era cedo demais. O pé mal tocou a terceiro degrau quando trançou em algo que me empurrou. Sem escolha, tentou virar no ar para evitar danos, mas caiu com o ombro direito no azulejo.
Recuperado do baque violento, procurou descobrir o causador do acidente. Aos seus pés, deitada nos degraus, uma garota com um vestido bonito de alguma forma trançou os braços em suas pernas.
- Você está bem? – um segurança perguntou, estendendo-me a mão.
- Estou. – aceitei o gesto ainda estudando a garota.
Levantou a cabeça, confusa, mas rindo. As luzes ofuscantes não lhe permitiram grandes observações, mas pôde concluir que estava bêbada, tendo em vista a garrafa em sua mão. Parecia alheia a sua presença, mesmo quando puxou as pernas do meio de seus braços. Levantou em seguida, como se nada tivesse acontecido, e voltou para o meio do grande salão, onde se perdeu novamente.
- Está bem, moço? – insistiu o segurança educado, lançando um olhar de reprovação para a multidão.
- Sim, estou. – mentiu. Dali a alguns minutos, uma mancha roxa marcaria o local exato da pancada.
Sacudiu a cabeça, tentando ignorar o incidente. Continuou o caminho até a saída para a rua, acompanhado pelo segurança. Perto da porta, havia mais dois seguranças em roupa preta, um de cada lado da porta. O da esquerda, uma mulher, assustou-se ao vê-lo com a mão no braço.
- O que aconteceu? – dirigiu-se em um tom preocupado ao gigante que o acompanhava. Assumiu o pior.
- Nada – tranqüilizou-a -, ele caiu. Foi derrubado. – corrigiu-se.
- Está bem? – falou diretamente com Sam agora.
- Sim, estou ótimo, foi só uma batida. – o excesso de atenção lhe era esquisito. – Vou ficar ali na rua esperando meus amigos.
- Estão lá dentro? – franziu a testa.
- Sim.
- Eles não voltam cedo, garoto.
- Eu sei. – suspirou. – Mesmo assim, vou ficar. Obrigado.
Estava surpreso com a gentileza. Ao entrar, pareciam todos tão duros e rígidos.
A saída estava a dois passos e não perdeu mais tempo.
Sair do clube foi como sair de uma caixa de fósforos. O ar estava frio, ardendo nos pulmões, e só agora que o barulho virara um ruído ao fundo, percebia o quão irritante realmente era. Caminhou até a beira da escadaria da entrada, esta maior, com uns vinte degraus. Sentou no primeiro e relaxou, respirando fundo. Em seguida, apoiou os dois braços no chão frio, sentindo o direito doer um pouco.
Fechou os olhos por um momento, tentando relaxar. Só então atentou por detalhes, como uma dor de cabeça, o zunido no ouvido, o frio e a dor no ombro.
Seus olhos encontraram as estrelas. Esquecera o quanto isso o relaxava. Levantou e curvou-se para enxergar as horas no relógio e termômetro do clube, escondido atrás de uma árvore.
Onze e meia. Pausa. Quatorze graus.
Bocejou. Ficar parado não ia ajudar a passar o tempo. Desceu a escada e olhou para os lados. À esquerda, a entrada e saída para carros do clube, com um balcão coberto para o homem que cuida quem pode ou não passar por ali. A luz estava acesa, mas ele não estava lá. À direita, um pedaço do estacionamento, a quadra de tênis ao fundo, e uma curva para a direita, que levava a uma pista para caminhadas, aos campos de futebol e a uma entrada ou saída alternativa para o local das danças.
Antes que pensasse se ia caminhar para lá ou não, alguém apareceu saindo da curva, cambaleando e com as mãos na parede, se equilibrando. Usava um vestido. A mesma garota que o derrubou, bem ali, tropeçando de bêbada.
Ela desaba no chão, chorando. Imediatamente e meio involuntariamente, correu para ajudá-la. Abaixou-se ao seu lado e percebeu que havia ralado os joelhos no cimento. A maquiagem destruída por algumas lágrimas. Uma imagem extremamente decadente.
- Você está bem? – perguntou, sem esperar resposta. Ela não fala, apenas chora histericamente.
Com cuidado, carregou-a até o banco mais próximo, embaixo de uma árvore, apesar de estar um bocado escuro. Sentou na ponta e deitou a cabeça dela em sua perna.
“O que estou fazendo?”, questionou-se.
Deveria ter chamado alguém, mas agora estava com uma responsabilidade gigante nas mãos. A garota estava se aquietando, apenas fungando vez ou outra, soluçando. Desta vez, estudou-a com mais atenção. Usava o tal vestido bonito, branco. O cabelo nos ombros, de um castanho muito claro, quase loiro.
- Ei, consegue me ouvir? – chamou baixinho depois de alguns minutos. Ela fez que sim com a cabeça.
Queria tentar entender o que aconteceu e porque ela separou-se das amigas. Como começar, não sabia.
Enquanto permanecia em silêncio por um minuto, imaginou se ela era a garota popular, a experiente em beijos que já ficou com vários garotos e desafia os pais de vez em quando, ou se era a garota tímida, forçada a ir à formatura, talvez até tenha ido por vontade própria numa tentativa de se incluir em algum grupo. De qualquer forma, bebeu além da conta e estava ali no colo de um estranho bonzinho.
- Estou triste... – murmurou com a voz rouca.
Não sabia se deveria perguntar algo, mas arriscou.
- Por quê?
- Eu amava ele. – falava com ênfases exageradas, como num teatro. – Acho que bebi demais.
Bebeu. O caso era mais esquisito do que eu pensava. Levou um pé na bunda e está tentando esquecer, ou foi trocada por outra, ou etc.
- O pior... – ela se virou em seu colo, ficando com a cabeça para cima, encarando-o. -... é que eu amava ele de verdade. Como nos filmes. – seus olhos desviaram para um lugar muito longe em sua imaginação, enquanto sorria.
Por mais que quisesse dizer-lhe que não era bem assim, não parecia uma boa hora para lições de moral.
- Como ele era? – perguntou.
- Lindo, muito lindo. Cabelos escuros, alto... engraçado, charmoso, tão bonitinho. – sorria. – Ele me mandava bilhetinhos.
Havia algo de muito sincero naquilo, mas podia ser apenas sua fértil imaginação. Não conseguia deixar de pensar na forte ilusão que aquela garota caiu e na raiva que sentia do garoto em questão.
- Como vocês se conheceram?
- Na escola. Foi tão engraçado, ele também gostava de mim, mesmo antes de eu falar com ele a respeito. Começos são tão complicados, mas o nosso foi tão fácil. – seu tom bem humorado foi se dissipando à medida que terminava a frase. Ela estava pensando no fim.
- Mas tudo vai ficar bem agora. – Sam arriscou.
- Sem ele, é difícil.
- Devem ter outros garotos legais por aí.
- Não, ele era único.
Estava começando a se irritar um pouco tamanha teimosia. Mas além de estar com o coração partido, estava bêbada.
- Sabe de uma coisa? – ela perguntou.
- Fale.
- Você não entendeu. Eu o amava.
- Eu sei.
- Não sabe não. – fez uma pausa pequena e sorriu de leve. – Quando eu olho para o céu, lembro dele.
- Haha, um anjinho. – respondeu brincando, lembrando das poesias de estar apaixonado.
- Sim, um anjo. – sorriu, em seguida encontrou seus olhos. – Você é muito gentil. Se quiser saber, não estou tão bêbada assim.
- Bom saber.
- Pular e beber não ajuda em muita coisa.
- Concordo. Por isso saí de lá.
- Quer saber por que eu saí? – perguntou retoricamente. – De repente meu mundo caiu. Percebi que risadas falsas e barulho não curariam isso. – colocou a mão em seu coração machucado.
Sam achou que estava começando a entender. Não podia julgar o que havia acontecido apenas pela imagem dela ou por suas palavras. Nem mesmo vendo poderia descrever. No fundo, apesar de tudo, ainda estava cético. Poderia ser apenas uma adolescente tendo ataques.
- Se não se importa, vou ficar aqui com você um pouco. – ela sussurrou.
- Tudo bem. – Sam viu que poderia estar ali uma nova amiga. Imaginou-se no futuro com ela falando sobre o garoto, talvez tentando se esconder quando o encontrassem em algum lugar.
Ficaram pensativos por um longo momento. Até que Sam perguntou:
- Por que você não tenta de novo?
- Como assim?
- Tenta reconquistá-lo.
- Queria que fosse assim tão simples. Você ainda não entendeu.
- Explique-me.
Fechou os olhos, deixando escapar uma lágrima que estava presa no canto do olho.
- Eu nunca mais vou vê-lo. – desabafou. – Por isso gosto de olhar para o céu. É onde ele está agora, com outros anjinhos. Por isso, por enquanto, apenas olho para o céu. Quando nos despedimos, a última coisa que me disse foi “encontro você no céu”. – sorriu. – Talvez um dia, eu realmente o encontre lá.

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