segunda-feira, 26 de abril de 2010

Conto sobre ligações

Tu, tu, tu.
Ao decorrer da curta ligação, havia encostado-se na parede, deixando-se escorregar até sentar no chão. Lentamente distancia o telefone do ouvido, até segurá-lo relaxadamente com o pulso apoiado no joelho erguido. Sente que está muito distante, fora desse mundo. O barulhinho repetitivo ainda soa, também parecendo mais distante e quieto. Finalmente pousa o telefone no gancho, mas fica sentado mais alguns longos segundos.
A imagem é plasticamente perfeita, o rapaz sentado perto da porta de um quarto, iluminado pela luz do sol que forçou seu caminho entre as nuvens cinzas do dia chuvoso. Uma foto viria a calhar, para capturar aquele momento antes que sumisse para sempre.
Mesmo dois minutos depois de ter desligado, de volta ao que estava fazendo antes que o telefone tocasse, ouvia a sílaba repetitiva em sua cabeça. As reviravoltas sempre vem sem avisar, pensava.
À partir do momento que levantou daquele chão frio, seguiu com sua vida. Amou muito, sorriu muito, sonhou muito. Era tudo que queria. Raro um minuto fazer diferença nos tantos anos de uma vida, mais raro ainda tal minuto durar para sempre.

Em seu último dia, sentiu que estava partindo. Há tempos estava sentindo-se cansado, até que ao deitar, entregou-se à dona morte. Resolveu despedir-se do mundo. Despediu-se das árvores, do vento, das estrelas. Especialmente, sem pressa, despediu-se da garota, a eterna garota.

De olhos fechados, rapidamente focou e reviveu, com nitidez incrível, aquele momento onde tudo mudou. Jurou ter escutado novamente, muito longe, aquele tu, tu, tu, antes que adentrasse profundamente no sono infinito.

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Comentários adicionais: Bom, fiquei na dúvida sobre o que era esse pequeno conto que me surgiu hoje à tarde. É sobre pequenos momentos? Sobre ligações perdidas (não apenas telefônicas digo)? É sobre alguma coisa. Creio que seja mesmo sobre pequenos momentos, pois a maioria dos dias do ano são esquecíveis, ninguém lembra de um dia inteiro. Lembramos de momentos, são o que valem afinal. No fim, tudo pode valer a pena, talvez, por um único momento especial. Sonhador, eu? Deu pra perceber (risos)?

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